sexta-feira, julho 14, 2006

Gramsci nunca viu a SIC-Notícias, mas...


Mais um “debate” na SIC-Notícias com os principais gurus mediáticos do jornalismo português: António José Teixeira, Nicolau Santos e Luís Delgado. Nesta amena cavaqueira o tema de hoje era a análise à última entrevista do primeiro-ministro.
Apresentados como analistas e comentadores políticos, supostamente “imparciais” e “independentes”, da presença destes três elementos esperar-se-ia, no minimo, alguma pluralidade de pontos de vista. Puro engano. Todo o programa se pareceu mais com uma reunião de bispos para estudarem a última enciclica papal em vez de um programa de análise política. Durante uma hora de programa ficamos a saber que estes três “analistas” convergem num discurso de elogio ditirâmbico ao governo e na necessidade de mão pesada contra os “interesses sectoriais” (ou seja os reformados, os utentes dos serviços públicos, os funcionários, etc). Aliás a declaração final de Luís Delgado de que “Sócrates é o líder que eu gostaria de ver no PSD” é sintomática.
E assim todos os dias, na televisão e na “imprensa de referência” vão surgindo os comentadores que nos vão dizendo como as medidas do governo são sempre úteis e justas, mesmo quando não o são, procurando criar um falso clima de consenso. E quando há crises a culpa é sempre dos trabalhadores, mesmo quando não é verdade, como dizia há pouco tempo o Nicolau Santos a propósito da situação da General Motors na Azambuja.
Nada que nos admire, até porque Antonio Gramsci já tinha escrito algo que lido à luz da imprensa portuguesa contemporânea se torna fundamental para compreendermos estes mecanismos:
“Centenas de milhares de operários contribuem regularmente todos os dias com seu dinheiro para o jornal burguês, aumentando a sua potência. Porquê? Se perguntarem ao primeiro operário que encontrarem no elétrico ou na rua, com a folha burguesa desdobrada à sua frente, ouvirão esta resposta: É porque tenho necessidade de saber o que há de novo. E não lhe passa sequer pela cabeça que as notícias e os ingredientes com as quais são cozinhadas podem ser expostos com uma arte que dirija o seu pensamento e influa no seu espírito em determinado sentido. E, no entanto, ele sabe que tal jornal é conservador, que outro é interesseiro, que o terceiro, o quarto e quinto estão ligados a grupos políticos que têm interesses diametralmente opostos aos seus. Todos os dias, pois, sucede a este mesmo operário a possibilidade de poder constatar pessoalmente que os jornais burgueses apresentam os fatos, mesmo os mais simples, de modo a favorecer a classe burguesa e a política burguesa com prejuízo da política e da classe operária. Rebenta uma greve? Para o jornal burguês os operários nunca têm razão. Há manifestação? Os manifestantes, apenas porque são operários, são sempre tumultuosos, facciosos, malfeitores.
O governo aprova uma lei? É sempre boa, útil e justa, mesmo se não é verdade. Desenvolve-se uma campanha eleitoral, política ou administrativa? Os candidatos e os programas melhores são sempre os dos partidos burgueses. E não falemos daqueles casos em que o jornal burguês ou cala, ou deturpa, ou falsifica para enganar, iludir e manter na ignorância o público trabalhador.”

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